quarta-feira, 27 de abril de 2016

Há de ver


Há tanto
e há nada.
Há sempre
o adeus.

Há o simples
desgosto.
Há o dengo,
que prometeu.

Há algo
sem haver.
Há tudo,
sem se ver.

Há eu
e o não eu.
Há o meu
e há o seu.

Há coisas
conversadas,
há letras
bem versadas.

Há sentido
sem sentido.

Há o agora
e não demora
e há o lá fora
aqui dentro.

Há o peso,
há o pesado.

Há o eu mesmo
não notado.
Há no escuro
o que há de estrelado.

Douglas Ibanez
(27.04.2016 - 0h24)

segunda-feira, 18 de abril de 2016

E a Rosa Despedaçada


Foco! Quando a rosa se deu corda, sete pétalas brilharam em um vermelho distinto, no horizonte tão perto. Estava ali, ao alcance de meus dedos. Podia vê-la sentada, com as pontas esfoladas, sem vontade de se levantar outra vez. Havia tão pouco que o cravo saíra do palco - as luzes se foram em uma tormenta que ninguém entendia, um chacoalhar repentino de folhagens desrespeitosas, que amarelas de raiva despedaçaram um pedaço de amor.

E ali ela ficou, por mais um tempo. Um jardim passou por sua vida, sem nem notar, ao menos, seus abraços solitários aos joelhos sangrando. Mais pétalas escorriam - era o anúncio de algo - e o sol surgia como quem nada queria. Girassóis giravam em roda. Há busca por luz, quando o mundo chega ao seu fim? Não sabia dizer. Ela estava por ela, mas a plateia aplaudia seu estado de culpa e espremia arte de um fruto que nunca haveria de nascer no outono. Foco!

Me dei conta do espetáculo. Foco! E mais pétalas caíram. Ninguém a via, nem sentia seu odor, destruído por damas noturnas que riam com singular desespero. Quando a memória se tornou ideia, tão doce e singela, o iluminador começou o poente, defendendo aquele cravo, diziam as boas línguas, doente. Quem perguntou de um despedaço do outro? Era assim que as cortinas se fechavam: uma história acabada, em uma inacabada, que um e outros insistiam em não assistir.

Douglas Ibanez
(18.04.2016 - 15h31)












quinta-feira, 14 de abril de 2016

O Silêncio e a Morte da Bezerra


Quando a mente resmunga, boa coisa não vem. Ela se mexe no berço, descobre os pescoços e chora outra vez. São gritos tão fortes que acordou a vizinha! Que berrou com o filho - verdades não ditas. E a mente ouviu e chorou mais um pouco. Tinha fome do seio que o pai não sabia lhe dar, por fatores biológicos, certamente óbvios, que só sabiam limitar. 

Uma criança recém-pintada, virando entre os lados, com sono e sem jeito. Irritado. De olhos arregalados em uma estrada no fim da cama, com todos os faróis esverdeando uma liberdade intensa e perigosa. Era o problema da ira, uma dançarina fogosa, que acordava a mente, cada vez mais chorosa.

Isso não passa. Tampouco promete parar. Mas eu a pego no colo, balanço em meu peito e a amamento no escuro de um silêncio leitoso. Brota do corpo naturalmente e me fascina sem jeito, pensando no nada e em nada - parece até gente! Que momento gostoso. Sorrio e deito (tento) de novo. 

Douglas Ibanez
(13.04.2016 - 23h58)


quinta-feira, 7 de abril de 2016

Sopa de Letrinhas


Cada gota uma letra,
uma palavra que escorre,
desenrolando sentenças

de morte.

Uma estrofe bendita,
que conta o que sofre.
É o contrário de histórias,
cascatas, em choradeiras.

São páginas novas,
de uma leitura tão velha.
Um livro de pó, que ao pó retornou.
É sem vida, a vida vivida.

Douglas Ibanez
(02.04.2016 - 0h52)