quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Tempestuoso Dia Ensolarado



Era seu último dia de aula. As provas já haviam terminado no dia anterior, ele não precisava estar lá, mas estava e estava sozinho em meio ao ranger mudo e calado das carteiras frias que um dia foram ocupadas.

Estava abatido pela solidão? Não, ele não estava, poderia estar fingindo? Não se sabe, afinal ele poderia ser ator, ou quem sabe poeta, um homem de duas ou mil faces? Qual ele estaria usando hoje? Talvez todas ou talvez nenhuma, o que importava era que estava lá, seja ele quem fosse aquele dia.

Reconheceu o lugar onde estava acostumado a sentar-se e se aconchegou feito um bebê no colo da mãe. Abriu o caderno, pegou seu lápis, uma caneta azul, outra colorida e uma borracha, ajeitou-se mais um pouco e se preparou para a sua última aula naquele lugar.

De repente, não mais que de repente, mas esperado por sua mente a porta se escancarou e do lado de fora entraram vozes, risadas e brincadeiras que o menino tanto conhecia. Quantos caminhavam pela sala? Não se sabia, eram milhares de pés e pernas se entrelaçando e se misturando a poeira da solidão tão recentemente e brilhantemente extinta pela escuridão de suas pálpebras.

O garoto sorriu. Sentiu que seu eu estava claro agora, se fragmentando e se sentando em cada carteira ao seu redor. Ele não fazia parte deles, nunca fez, de alguns talvez, mas eram eles que faziam parte de seu interior, que construiam seu sorriso matinal e seu choro finalista depois de perder mais um dia do cotidiano infinitamente vivido.

As graças e as brincadeiras aumentaram, a felicidade era grande naquele dia chuvoso e ensolarado. A voz rouca e forte do professor ecoou pelos seus longos túneis denominados ouvidos que se atencionaram ao ouvir mais uma vez a risada, agora vinda do professor.

Eles se divertiam, eles que sempre alegraram até o mais triste palhaço do circo destruído pela tempestade. Fantasmas que trouxeram a alegria de viver e o motivo para o garoto abrir os olhos pela manhã e dizer que sim ao que é bom.

Era seu último dia em sua segunda família, sua última risada inoscente no cotidiano monótono feliz e infeliz, sua última lágrima escorrida por seu rosto brando, sua última olhada ao seu eu dividido e que não voltaria mais, seu último adeus como igual... a última vez que olharia no espelho e o veria inteiro, reluzente...

O garoto abriu os olhos. A sala estava vazia e o pó solidário lhe fazia companhia. Tudo estava como antes, mudo e mortalmente parado. As carteiras não se mexiam, as cortinas estavam intactas. As risadas e assovios se perdiam, lentamente ecoante, na cabeça do garoto. Seu caderno estava cheio de palavras, sentimentos e memórias. Tinta e pó misturados nas lembranças que ali estiveram, sentadas nas carteiras, abrindo e fechando a porta, escrevendo na parede... sua última lição estava feita por todos os últimos e últimas que lhe fizeram companhia naquele tempestuoso dia ensolarado e que seria o último de sua vida deixada para trás.

Douglas Ibanez

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Lágrimas de Novembro

30 lágrimas de novembro:
a cada dia que o tempo leva
deixa uma lágrima para trás.


Uma lágrima por dia, trinta lágrimas por mês,
uma lágrima por hoje, uma lágrima por ontem...
será a última a de amanhã?


Ao todo serão trinta,
de trinta chorei treze
treze lágrimas de lembranças
treze lágrimas de tristeza
esperando o momento
de dizer até logo
mesmo sabendo que para alguns
será um adeus.

Douglas Ibanez

domingo, 9 de novembro de 2008

O Muro


O menino brincava na calçada. A calçada brincava com o brinquedo. O brinquedo era a brincadeira do menino. E nada mais importava. Ele só queria passar uma tarde se divertindo em seu pequeno mundo simples e despreocupado chamado de infância.

Naquela tarde, do outro lado da rua onde um enorme muro separava os pedestres da linha ferroviária, um grande e barulhento trem cortou uma linha inesperada e consigo trouxe novas sensações e pensamentos.

Agora o menino não se sentia mais menino e sim outra coisa que ele não sabia dizer o que era. Possuía sensações que ele nunca tivera antes na vida e isso o fazia duvidar, perguntar e questionar sobre sua verdadeira função naquele lugar. Então com uma grande curiosidade, deixou seu brinquedo na calçada e atravessou a rua afim de descobrir algo que ele ainda não conhecia.

Com a ajuda de uma escada e de sua força, o menino subiu sobre o muro e após se sentar pode observar o que estava além daquilo que ele conhecia, ele pode saborear o que o desconhecido lhe oferecia.

Sem saber exatamente o que era, viu algo denominado cirrose, o câncer e a overdose. Viu pessoas sendo mortas por outras pessoas e mais pessoas sendo mortas pelo trem que acabara de passar minutos atrás. Então ele percebeu que o mundo não era feito de coelhos e cachorros como ele imaginava, mas sim do lixo cinza e apodrecido do cotidiano humano com o qual somos obrigados a conviver todos os dias de nossas vidas.

Ao descer do muro naquela tarde, o menino não decidiu que função daria para sua vida, mas sem saber, havia denominado inconscientemente o sentido da mesma, ele se tornara escritor.


Douglas Ibanez