sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Mergulho na Honestidade

A madrugada é honesta
em suas palavras, escurecidas
como o tecido do céu
que acima se deita.

Palavras nuas,
sem vergonha do medo
e da natureza de sua pele,
cujo toque não se toca, se pronuncia.

Cruas até o limite da rima.
Tira as cobertas,
revela as simples verdades guardadas
nas mentiras que de dia foram contadas.

Eu sou escrito no poema da noite,
onde me vejo e retorno o olhar.
Os pés escorrem,
os dedos falam e a língua sente.

O vazio perfura, a expectativa vaza
e o momento é tão verdadeiro
que o silêncio que sobra se cala,
dando ouvidos à cantoria da intuição.

Soa-se belo na madrugada, sem nada.
E de repente, o que se escuta
só depende do outro,
que se deixa ir... aos sussurros.

Douglas Ibanez

13/10/2021 - 4h23



sábado, 4 de setembro de 2021

Rosa dos Ventos

Eu abro e

me permito pensar

na velocidade que penso, 

que outrora me enganou

como quem nada queria, 

mas me engolia por dentro

como dita a ansiedade. 


Eu me parto

em mil pedaços e

me permito partir 

vento a dentro, como

os farelos leves que caem 

das alturas sem medo

da partida. 


Eu me torno o

que me despi e me deixo levar

para longe o que me tornei, 

pois logo serei outro ao

retorno do vento e ele

será o mesmo que me despiu

no anseio da calma. 


Douglas Ibanez

(20/01/2021 - 1:30)

domingo, 29 de agosto de 2021

Você sabia das flores?

aos céus 

as flores se jogam. 

mãos levantadas, 

braços dançantes! 

a terra nos pés, entretanto,

sorri com a graça

de um milhão de certezas, 

tão incertas, 

que não fazia sentido nenhum tê-las.

mas a melodia...

essa estava entre os dedos

que tocavam as nuvens

e sentiam a grama

ao mesmo tempo


Douglas Ibanez

(16/08/2021)



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

O Café

Respiro

como se o amanhã não existisse,

pois ele de fato não estará lá

até que eu abra sua porta e

a atravesse,

com um pé diante do outro.


Nem mesmo a tarde sobrevive,

quando as manhãs são destruídas

com a amargura

que anseia todo o resto.

Este ainda para chegar, 

este ainda para ir embora.


Dou um passo descalço

na paz descalça, 

que se anuncia solo

como uma respiração calma

de bom dia, 

com toda a graça que posso suportar. 


É no silêncio que sinto 

aquele amargo cheiro flutuando, 

dançando em fumaças, 

me desejando continuações 

ensolaradas de mim mesmo, 

em uma versão estranha do que ainda virá. 


Não é uma previsão, 

muito menos de preciso conteúdo, 

mas é belo em seu sentido próprio, 

como se minha intuição pudesse, 

e ela pode, 

ler nas entrelinhas do ar, 


decifrando

e colhendo 

histórias que o meu íntimo ainda 

irá me mostrar de alguma forma. 

Eu toco as narrativas 

e meus dedos são varinhas


que deixam no ar o rastro, 

os desenhos que quero seguir. 

Um artista do meu tempo, do meu desejo,

fazendo espirais de um momento

só meu, 

sem permissão para o alheio.

Douglas Ibanez 

(24/12/2020 - 8h36)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Oração ao Nome

Em meus momentos de maior confusão, quando o tempo corria ao meu redor numa velocidade absurda, me tirando o ar e causando angústias que eu só havia visto em meus piores sonhos quando criança, eu costumava chamar nomes passados para me manterem ancorado naquele oceano, tão perto da terra à vista, diante da turbulência. 

Eles eram nomes muito diversos. Grafias e sons extremamente únicos, com barbas, cabelos longos, loiros e morenos, sorrisos inocentes e promessas de um dia daqui a um dia. Sem contar o anseio de descobertas que nunca foram e carências que me abraçaram pelas expectativas em minha cabeça de necessidade, talvez, crônica.

Só que eles me puxavam pelo pé e o que era salvação se tornou um erro. Me lembro de fechar os olhos, enquanto os monstros arranhavam por dentro as paredes do meu corpo, e fazer uma oração, mais rápida do que o meu medo poderia agir. Eu pedia pelo nome da vez. Soprava a vela e o repetia mil vezes para que ficasse, mas sem nunca realmente ficar, porque nunca estivera ali. 

Quando recebe um nome, isso quer dizer que é seu. Então porque cargas d'água eu queria o nome dos outros? Um finito punhado de letras com significado tão limitado quanto o tempo que o vento leva para bater na palma de sua mão e levá-lo para longe, deixando você finalmente perdido, rezando por um nome que não está lá. Que nunca esteve.

Por isso, a todos os escritos que já passaram, hoje eu peço licença e me recuso a lembrar de um outro nome que não seja o meu próprio, aquele que não se vai. Pois está atrelado em minhas veias, como um rio de águas escuras cheias de história. Isso não significa que nomes alheios não sejam belos ou relevantes, como árvores que brotam dessa calçada paulistana tão ambígua, muito pelo contrário! Eles me acompanham, só não são meus. 

Por isso, eu só peço a mim mesmo... me salve. Que seja você a abraçar o que me é vulnerável e o que conta histórias infiltradas no meu peito de maneira tão perpétua e imortal ao mesmo tempo. Pois é em seu nome, meu nome, que eu vejo a vida fazendo sentido, mesmo quando o medo sussurra exatamente o oposto. Sopre em meus ouvidos e me fortaleça, por favor. 

Obrigado, até aqui chegamos. 

Continuemos. 

Douglas Ibanez

(26/01/2021 - 2:31)