terça-feira, 29 de março de 2016

Respirações


Eu sei que o que sinto é triste,
ao mesmo tempo que me recorda gracejos.
Não consigo contar alegrias,
já que elas permanecem perdidas, ressentidas,
de algo que nem elas entendem direito.

Tem um garotinho chorando ao meu lado.
Ele pede carinhos que eu sei lá como fazer,
algo entre o cafuné e o abraço bem forte.
Na dúvida, choro com ele
e respingo lágrimas como um toque que não foi.

Quem passa, não sabe o que se passa,
nem muito menos tenta enxergar o ocorrido.
É normal, é normal… eu sei.
Eu sei lá.
Não sei, não.

É estranho.
Um senhor está fungando, do outro lado da rua,
como se houvesse um caminho
e no meio, a lua!
Ele entende das coisas, mas parece perdido. Eu sei.

Continuo chorando, sem culpa,
dos efeitos do sol, que se uniu
à chuva.
Faço a mínima ideia de onde partir,
por isso não mexo, nem deixo, o céu abrir.

Só deito no banco, com a cabeça 
no colo do menino.
Respiro e desrespiro. Sumo um pouquinho.
E o velho me acude, como uma viagem no tempo,
sem tempo, e parado na hora que aquilo aconteceu.

Douglas Ibanez
(28.03.2016 - 16h19)



terça-feira, 15 de março de 2016

Madrugadas


Quando o escuro me abraçou ontem à noite, contou histórias de terror, em meu ouvido, que não pude esquecer. Sonhei com elas ao longo das horas - crianças teimosas que não queriam dormir. Fizeram uma roda e soletraram cantigas. Eram três garotas de vestidos bem longos, negros e com cabelos presos em pequenas tranças, que desciam pelos ombros sem nenhum tipo de vida. Havia melancolia naquela ciranda incômoda, que arranhava as paredes do quarto como se pedisse, desesperadamente, por um sopro de liberdade. Seus olhos brilhavam com uma luz que não tinha. No sorriso apagado, um alerta: cuidado com o que conjura em palavras, sob o pretexto de um desejo que não se conteve. Me virei, questionando.

Eu ouvia um piano. Toques de melodia que agora elas não conseguiam mais dizer, sem que o barulho da noite gritasse. Seus dedos gelados percorreram meu cobertor, em busca de uma abrigo que não existia. Pulavam em meus ombros como almas levadas, mas que foram deixadas, sem saber, para trás. Elas não tinham face. Seus rostos expressavam o que precisavam expressar - o contrário daquilo que ninguém sabia, enxergava, ou procurava saber no silêncio. Uma voz ecoou pelo escuro, que ainda me abraçava com jeito, para que eu não caísse em seu leito. Ele sussurrou as palavras como foices normalizadas, que brandiam nos céus uma verdade inconstante.

Deite-se no vácuo, criança ingênua. Se cubra em estrelas que o desconhecido te entrega, sem saber que um dia você se tornaria uma delas. Cada uma olhou para a névoa, questionando o que era aquele ser que eu não via. Houve um momento em que o mundo parou e nada fez mais sentido. Um hálito fresco beijou minha pele. Me resfriei no passado que agora partia, cantarolando memórias das meninas de ontem. Eu ouvi, ao final, uma risada travessa e um selamento de paz, que jurava perdões e desespero oportuno. Dando um passo ao avesso, eu olhei para trás, observando portões que me jogaram poeira. Não havia mais nada.

Douglas Ibanez
(14.03.2016 - 16h18)