segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O Barulho do Vidro


Foi o barulho que indicou aos meus ouvidos que aquele era o limite entre minha testa e o vidro da janela do meu quarto. Obviamente que o toque daquela superfície tão transparente, e fria devido à mudança de tempo dos últimos dias, me entregava a mesma mensagem: havia algo entre eu e o lá fora.

Respiro fundo. Eu sei que vidro é vidro no fim das contas, mas havia uma certa poética, bonita até, em ver minha respiração tornando aquela coisa visivelmente invisível em algo úmido, torto e real, como se revelasse sua natureza dissimulada, que até então tentava se esconder bem diante da minha cara. 

Respiro de novo, dessa vez propositadamente para aumentar a mancha de respingo crescente, que aquele vapor que vinha de dentro de mim causava. E crescia igual doença: lenta e precariamente lutando para se impor de mim para o vidro, em uma passagem direta, rápida e extremamente contagiosa.

Eu estava vencendo, sabe? O vidro já demonstrava sinais de fraqueza, revelando sua essência turva depois que minhas gotas, de internas a externas, lavaram seu disfarce de bom moço e trouxeram à tona o ser sádico que ele sempre fora. Não havia melancolia da chuva escorrendo por ele, mas sim a minha escravidão borrada atrás da neblina entre nós dois. 

Mas até onde os meus pulmões aguentariam aquela briga? Desenho um rosto sorridente com meu dedo e vejo São Paulo exatamente por meio daquele sorriso, que parecia tão devasso quanto inocente. Sinto raiva e me arrependo de não ter desenhado também uma máscara que cobrisse aquela boca torta, que profanava aquela visão, ao mesmo tempo que me permitia enxergar mais claramente. 

Bato com a testa mais uma vez. O bar está aberto na esquina de casa e eu escuto alegria, mesmo que abafada pelo vidro. O sorriso desenhado me conta as histórias daqueles homens e eu as escuto pacientemente, já que não tem nada para fazer nos próximos meses. Vejo estrelas piscando no céu e respiro fundo pela última vez, quase um suspiro de desistência. 

Com a ponta do dedo, escrevo meu nome sobre a nova mancha que surgiu de dentro de mim no vidro. Ambos apagados, à beira do desfoco após tanto desfalque de nossas naturezas. Me solidarizo com a pobre superfície, por incrível que pareça. Não havia mais invisibilidade, tampouco intimidade preservada. 

Tudo estava perdido, sob uma neblina que eu mesmo criei com uma única respiração. O molhado da superfície já quase refletia o meu reflexo e, honestamente, aquilo seria demais para mim. Chega! Tento limpar minha arte com as costas da mão direita, mas só espalho meu nome, e o sorriso, pelo mesmo espaço. Tudo continuava sujo, turvo e continuava o mesmo.

Douglas Ibanez

(02/09/2020 - 03:11)