terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Resmo


Chove lá fora,
gota após gota,
como dias de verão
gelado, para minha surpresa.

Há silêncio no quarto e
batemos um papo tranquilo, sabe?
Do tipo que me faz entender
o gosto do meu sabor,

outrora perdido,
outrora escrito em folhas do meu caderno,
mas sempre aqui.
O silêncio me traz café,

eu gosto.
Escuto a chuva e escrevo um poema,
sobre o distanciamento que vivi
por tanto tempo de mim mesmo.

Roço meus pés, o esquerdo no direito,
mais precisamente,
e me amo por segundos. Bebo,
como se estivesse sozinho,

sorrio, sabendo exatamente disso.
Como é bom, não é mesmo?
Como é fértil uma vida de solitudes
em pleno contexto de si mesmo.

Me deito com o silêncio,
o abraço de conchinha
e faço amor com minhas palavras,
ainda chovendo lá fora,

ainda amando a mim mesmo,
ainda em segundos.
Escrevendo versos nos lençóis
tão cheios de amassos e abraços e amores.

Entrelaço as pernas,
toques e pelos.
O silêncio suspira.
Lhe faço carinho por dentro e não o solto.

Ele cantarola, eu o acompanho,
sorrindo.
Clarões da janela e chove lá fora,
aqui dentro, por dentro e por fora,

entende o quero dizer? Não?
Tudo bem, só faz silêncio, então.
Faz igual ele, o próprio silêncio,
que eu me amo por segundos,

por palavras, por dores e pudores,
em suores do outro e do mim mesmo,
do outrora e do agora,
do aqui dentro e do lá fora.

Pelas resmas eu me junto e
vou criando uma fragilidade
na beirada do meu imaginário.
Pensamento tão portátil, tão fajuto!

É... há tempos não me sinto como nunca:
o nunca antes do escrever sozinho,
na quietude da minha noite vazia,
porém imensa como o meu ser deve ser.

Douglas Ibanez 
(28.12.2019 - 04:43)



quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Nasceu uma rosa na laranjeira


Há um eu no meio do nada,
Sob um foco de luz, respiramos.
Sem teu colo como nunca houve,
Onde palavras se decolam.

O eu levanta os braços, com plumas,
Laranjas como os laranjais, longas,
Distantes como aquelas que ele colou.
Distorce o passado e repuxa o que veio.

No ápice do descobrimento, bem lá,
Há outra cor estrangulada, sem efeito,
Nem defeito: não poderia - pretérito.
Não vai se ter, perfeito mais que futuro.

Uma rosa no laranjal, desconhecida,
É bruxaria!
Feita de magia bruta, bruxa e natural,
Uma força da natureza, embebedada de algo.

Um beber do eu, tão bêbado quanto o equilibrista,
Chorando aos ratos, sem entender-se,
No paraíso que lhe veio a imagem,
Como restos de um vídeo que se foi.

Vestiu o chapéu, o príncipe dos ratos,
Com orelhas ouvintes a detalhes assíduos!
Um, dois e mais! São pratos, são limpos,
Sem toque ou destoque, somente a imensidão.

E é imenso, como é, o que batia ali dentro,
Fosse o amor ou a fome - ambos,
Quem sabe?
Pois o gato comeu-lhe o próprio sorriso. Foi isso.

Brilhou em espirais com plumas ainda pelo corpo.
E depois pediu perdão, olhando aquele ano,
Ajoelhado em si mesmo, como quem não se entende,
Dança o teu caminho, não o nosso! Não!

Mas tanto faz, no fim das contas.
Já era, já foi. O caminho era longo e pedia botas.
Armas para uma guerra, do eu contra eu,
Sem música exata. Sem arte cabível!

Correu pelo seu, chegou a algum,
Gostou do que viu e ali se sentou. O eu, sabe?
Se amarrado, como um livre elástico,
Esvaiu em um triste flácido movimento pardo.

Sentindo-se horrível, perdeu o seu rosto,
Procurou em si mesmo, nos outros, no palco.
Olhou a plateia, não tinha ninguém.
Era isso: sem o alguém.

Tons pastéis injetados nos olhos da máscara alva
Que lhe escorriam corretamente
O que as mãos tentavam esconder,
Os olhos nas palmas, assim eram.

Do alto do pé caiu-lhe uma laranja,
Cortou o elo. Sentiu o choro que veio,
Pedindo arrego pelo calor do seio,
Lhe dando de mamar com mais do tal eu.

Se dança em lambuzal,
O suor rega,
Do linóleo nasce
Aquela desgraça tão envolvente.

Chocado no chão, decide aprender a andar,
Com paus que encontrou perdido do lado de fora,
Que foram seus em outros dias,
Tão distantes quanto as plumas que o outro colou.

Anda nas pernas, anda!
Encobre suas mãos, reaprende e vai embora,
Degola o agora e decora o que é teu.
Participe de um particípio, do presente.

Deveras,
Sem teias.
Sem alturas com vista da queda,
Com o baixo desorganizado, do tipo que se organiza.

Desandou e se foi, com folhas da rosa,
Maldita, porém eterna - no peito.
Banhado pelo seu suco, doce como um gomo,
Caído como uma gota.

O longe era o eu do tal foco,
Em quatro faixas escuras, marcadas previamente,
Sentado em assentos vazios,
Desesperado em acordar sem querer de si.

Laranja como a laranja,
Nascida do amor da terra,
Paciente ao longo da vida, perdida, tão perdida, coitada,
Sem fogo para o diante adiante do eu.

Douglas Ibanez 
(1h17 - 27.11.2018)


sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Raposa


E essa minha mania
de me perder nos detalhes que crio, exatamente, para não me perder.

São mapas geométricos,
que definem uma ordem libertária
numa obra ré primária no quesito liberdade.

Eu corro por meio de listas,
danço por entre espaços de uma linha e outra,
sinto o vento na cara, nas mãos, nos pelos.

Ah, o prazer da perfeição!
Corre, escorre e perfura como goteira,
gozado como o orgasmo, molhado como a ferida.

Perdido feito um tiro inocente,
que mata no meio da rua por olhos tortos demais,
com audiência desconhecida e palmas de gente morta.

Eu corro no meio do mato,
me deito em terra vermelha, bagunço
a bagunça de minha existência.

Laranja como meu pelo, no meio: silêncio do meu costume.
Olho as estrelas, de olhos fechados,
escrevo um poema, sem pena, em pontos traçados do resistir.

Douglas Ibanez
(10.08.2019 - 02h05)
Feliz aniversário, Doug!
:) 


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Artéria


Arte não é arte,
é artéria
que abre caminho, despeja
e me inunda com força, sem freio.

Me leva de volta, se encaixa
nos encaixes tão escondidos,
como natureza estando presente,
vivendo no soco de todos os dias.

É lá que ela explode,
deflora, reflora e floresce, borbulha em cores
e letras, sem melodia,
em canções invisíveis que bombam.

Escorrendo por todo o meu corpo,
por todo o sagrado.
É aquarela, é meu, sou eu
e transborda ao mundo pela verdade,

minha verdade,
que inspira e transpira perfeccionismo,
perfeccionista!
Calculado, real em movimentos.

Olho o que olha de volta.
Reflito sob olhar faminto do irreconhecível,
seria eu um produto perecível,
digno de entrar na boca do outro humano?

Seria arte chorar?
Seria ela sentir o que for o que vida lhe dá?
Se o poeta se finge, na beirada do real,
seria eu o realista quase caindo no abismo do fingimento?

Eu agonizo no palco, danço minhas letras,
que, com licença, fazem sentido no meu contexto.
Sangrei, sigo pingando,
cansado e me envolvendo em meu gozo

tão pessoal que só eu sei ler.
Grito no pulsar de um nirvana,
vejo a luz escorrendo em meu rosto,
que escorre por uma veia e retorna à exatidão.

Douglas Ibanez
(19.08.2019 - 23h23)



quinta-feira, 4 de julho de 2019

Espectro


Eu olho ali para a minha frente,
tão perto do que eu tenho.
É azul e laranja, tão tênue
quanto um sopro de vida e morte.

Sinto medo.
Escuto o piano
tocando coisas
tão tênues quanto o azul e o laranja,

uma canção que eu havia de repelir,
que não queria, por já querer.
Ficou velho como o laranja amassado,
podre como o azul vencido.

E agora? Deixo seguir, deixo escorrer,
como uma certeza tão louca
que pula do abismo, completamente nu,
respirando devagar o laranja e o azul.

Vejo rostos, sem olhos e sem barbas.
Inspiro ao agrado
e desenho o contorno laranjamente,
no azul salpicado que reflete o céu.

Erroneamente, não quero nomes,
quero liberdade de escolher ao léu,
o laranja que ama a si mesmo,
no composto do azul no banco de réu.

Vi nuvens e medos, ainda os vejo,
mas os deixo azul claro que também é vida,
com gosto de alma que continua perdida,
laranjeando a si mesmo

com gosto
do aqui,
do ali e
do acolá.

Laranja
como o que sou,
um novo azul
como o que há.

Douglas Ibanez
(04.07.2019 - 01h10)


sexta-feira, 28 de junho de 2019

Fagócitos


Eu nado na beira do mar,
sinto aquela areia escura.

Entre meus dedos,
entra em meus beijos - esquisito.

Me puxa para baixo,
mordisca minha pele, desvejo

e desejo o aperto.
O escuro me aconchega, sem fardos.

Mas afasto para outro dia,
quem sabe mais tarde?

Precisamos marcar! Revejo
sem ansiar pelo raso daquela praia,

mais uma vez. Já basta, sabe?
Eu olho torto, limpo meus poros

entupidos de areia cinza, escura,
molhada com restos do mesmo,

tão qual já foi, tão qual já é.
Faz parte de ti, entende?

Eu entendo!
Mas receio pela beirada,

que nunca deixa de beirar
o que tem no meio,

tão oco, tão fundo,
vazio como uma represa,

que mata,
sussurra.

Douglas Ibanez 
(18.06.2019 - 01h58)


segunda-feira, 3 de junho de 2019

Puto


Noites são feitas para os meus poemas,
Escritos por um puto que não consegue dormir,
Pensando na arte que lhe goza na mão
Como letras de quem morre de amor.

E eu amo, como amo!
O reflexo do espelho que minha lua me mostra,
Contando os detalhes do colorido
Que desce em arco das nuvens ao meu dispor.

Também há os tons de casas velhas,
Fotografias antigas e rosas 
Em meio a livros que eu mesmo escrevi,
Cuja letra eu tombo sublime como minhas ideias.

Eu abri a janela sem perceber,
Em busca do ar que a noite me entrega,
Comendo pedaços da lua, da minha de novo,
Tão dourados quanto o sol da manhã seguinte.

Esfrego os pés, crio faísca, luminária! 
Poesia? 
Faço um arco, desenho minha dança, 
Desço em minha cama e descanso, me inspiro.

Repouso sem saber quando, 
Tão puto quanto estive sempre, às beiradas, 
Me toco em despedida, escrevo, 
Confesso, me entrego desgonexo e desapareço. 

Douglas Ibanez 
06.05.2019 - 09h05



segunda-feira, 13 de maio de 2019

Cansado de todos vocês


Portas cerradas, lado a lado
De uma parede gelada.
Escuto gemidos, escuto perdidos,
Perdidos no ventre.

Então entre!
Não precisa bater, mas me bata,
No corpo, na cara,
Na alma lavada em torcer absorto.

Olho no mágico do olho,
Olho-me olhando de volta.
Boca torta, vontades ilusórias
Em desilusões de daqui a cinco minutos.

Na próxima, olho-me sem o eu,
Que não é o mesmo que o meu.
Nos conhecemos, perdidos,
Perdendo vazio... beijando o vácuo.

Eu conhecia todos eles,
E eles conheciam todos de mim.
Luzes se apagam, lâmpadas estouram
Como reflexos à velocidade cortante.

Quando eu era mais velho, há segundos,
Eu não entendia.
Seria o conhecer do outro o intuito
De uma frequente forma de covardia?

Douglas Ibanez 
(24.04.2019 - 1h25)

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Da minha janela


Eu sou míope, sabe?
Entretanto, esta noite, tirei os vidros
Na curiosidade de ver, antes que acabe,
O que escuto com meus ouvidos.

Ah!
Cheiro de noite, vazio de tão cheio,
Repleto de foices e doces,
Da verdade crua das esquinas que não noto.

Eu vejo no fundo, luzes, desmioladas,
E voto para que estejam
Sentadas no horizonte, balançando pernas.
São menininhas.

Bolhas de luz espalhadas, civilizadas,
Contando a história de um sono interrompido,
Desnutrido por sua fissura,
Bebendo d'água no frio do momento.

Olho a mesa, mesmo que míope,
Toco a brochura e o dever me chama.
Falta tinta, falta vontade.
E eu volto para o horizonte - como amo!

Percebo outras luzes,
Longas como serpentes.
Estão vazias de um dia que dormiu.
Eu sinto o suor e o barulho.

Vejo essências andando, como almas
Em contraste com suas sombras,
Vagando em batalhas
Em universos isolados, que sorriem.

Está tudo bem e as bolhas de luz,
Aquelas mesmas, lá do começo,
Também andam pelas serpentes,
Devagar, como parasitas bem-vindos.

O cheiro do ar é inconfundível,
Aroma do sono que me foi tirado,
Gelado como um beijo tardio,
Renovador como banho salgado.

Douglas Ibanez 
(06.05.2019 - 1h18)

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Lactose


Vejo a lua ali,
Do lado de lá
Da rua de cá.

Tão linda, que formosura!
Me chama depois (...)
Proclama nós dois.

Não a via como outrora,
E desvi de tanto ver.
Já sei bem, sua beleza.

Como lua me devora,
Feito água em pedra dura,
Desgastando, desgostando.

Foi-se uma, peguei ranço.
Veio outra, bela mente.
Brilho eterno, com lembranças.

Do queijo,
Do beijo
E do novo, de novo.

Douglas Ibanez 
(16.12.2018 - 01h31)


quarta-feira, 3 de abril de 2019

Anxious


Eu acordo cedo amanhã, sabe?
E eu tento fechar meus olhos,
Como quem espera por um amanhã
De maneira tão perfeita quanto clara.

Mas vejo traços no meu teto,
De um amanhã nublado,
Espirrados na luz da noite do agora,
Por meio de minha janela fechada.

O vento gelado toca meus pés,
Propositadamente sem querer.
Quase como um carinho rasgado,
Nublado, de novo, por suas frestas.

Eu prevejo o despertar da música,
Meus olhos pesados e o sentimento
De quem fez cagada.
Seria minha culpa?

O que seria, no fim das contas,
O meu virar de corpo,
O cobrir de cobertas
cobertas por outras cobertas?

Eu descubro, o frio puxa meu pé,
Socorro! Grito pensando no daqui a pouco,
De outros tantos poucos, confusos
E agitados.

Ainda vejo o teto nublado de luz,
Sem calma por opções.
Eu acordo já já, entende?
E eu durmo, não?

Douglas Ibanez 
(03.04.2019 - 01h09)




domingo, 24 de março de 2019

Vozes da Ignorância


Há espaços entre os vidros
Onde me recoloco.
Me viro e desloco,
Sem local.

Olho para o lado,
Diabos sussurram,
Diabos dançam.
Qual é o seu?

O meu apaga a luz,
Sorri como nunca,
Respira na nuca.
Na minha.

E o arrepio? Me arrepio.
Do cóccix ao além,
Do couro ao cabeludo,
Sussurrando, me degusta.

E as plumas?
Diria quem vê de fora,
Como se contrapartes fossem,
Por ora, clichês.

Rasgo as costas num furo,
Arranco uma pena,
Vermelha vida,
Sangrando ela mesma.

No escuro, a luz
Eu seguro, apagada
E embriagada,
Dançando, girando.

Douglas Ibanez 
(23.03.2019 - 10h20)



sábado, 9 de março de 2019

Corvos Rondando


Me temo das vozes que rondam
Com asas escuras de corvo,
Turvo como um dia de chuva,
Torto como o seu bico laranja.

Me anseio em teu próximo dia
Que se torna o ontem quando passou,
De tão longe que se foi a neblina
Do dia turvo que o corvo encontrou.

Eu vejo flores atrás dos vidros,
Em camas dormidas por gente que foi,
Que fomos. Distante.
Sem mais adiante do condicional.

Diante do tempo, me poupo.
Me vejo em verdade, a descubro bruta.
Sigo na luta, sem pouco.
Me desce em primórdios, só eu.

Douglas Ibanez 
(12.12.2018 - 1h36)


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Minimalista


É gentileza
Que se perdia
Em palavras corridas
De pouca beleza.

Eu via,
Descendo pelo ralo,
O que pisou no meu calo
Em sua partida.

Havia beleza
No que era gentil,
Sentado à mesa,
Comendo e sorrindo.

Sorriu.
Me fui.
Do tudo ao menor,
Dos males, o que diz.

E, sim, eu fiz,
O que de melhor eu quis.
Me vi pequeno analista,
Vendo o mundo, minimalista.

Douglas Ibanez
(08.02.2019 - 02h28)


terça-feira, 22 de janeiro de 2019

PLUTO


É uma esfera na beirada do tempo,
Se equilibrando no paraíso seguinte.
Há um abismo olhando de volta,
Quando você o observa com carinho.

Solitário e excluído, quase excludente
De si mesmo,
Por prestar atenção demais
E resolver equações que o íntimo não deixa.

O grito é silencioso, tão morto e dedicado.
Reverbera como toque d'água,
Se espalha em calmaria, minimalista
E desesperada por atenção.

Em escala se perde,
Desencontrado no meio termo.
Foi rebaixado e o tempo passou.
Parou (...) parou, o tempo.

Douglas Ibanez
(12.10.2018 - 1h52)