quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Nasceu uma rosa na laranjeira


Há um eu no meio do nada,
Sob um foco de luz, respiramos.
Sem teu colo como nunca houve,
Onde palavras se decolam.

O eu levanta os braços, com plumas,
Laranjas como os laranjais, longas,
Distantes como aquelas que ele colou.
Distorce o passado e repuxa o que veio.

No ápice do descobrimento, bem lá,
Há outra cor estrangulada, sem efeito,
Nem defeito: não poderia - pretérito.
Não vai se ter, perfeito mais que futuro.

Uma rosa no laranjal, desconhecida,
É bruxaria!
Feita de magia bruta, bruxa e natural,
Uma força da natureza, embebedada de algo.

Um beber do eu, tão bêbado quanto o equilibrista,
Chorando aos ratos, sem entender-se,
No paraíso que lhe veio a imagem,
Como restos de um vídeo que se foi.

Vestiu o chapéu, o príncipe dos ratos,
Com orelhas ouvintes a detalhes assíduos!
Um, dois e mais! São pratos, são limpos,
Sem toque ou destoque, somente a imensidão.

E é imenso, como é, o que batia ali dentro,
Fosse o amor ou a fome - ambos,
Quem sabe?
Pois o gato comeu-lhe o próprio sorriso. Foi isso.

Brilhou em espirais com plumas ainda pelo corpo.
E depois pediu perdão, olhando aquele ano,
Ajoelhado em si mesmo, como quem não se entende,
Dança o teu caminho, não o nosso! Não!

Mas tanto faz, no fim das contas.
Já era, já foi. O caminho era longo e pedia botas.
Armas para uma guerra, do eu contra eu,
Sem música exata. Sem arte cabível!

Correu pelo seu, chegou a algum,
Gostou do que viu e ali se sentou. O eu, sabe?
Se amarrado, como um livre elástico,
Esvaiu em um triste flácido movimento pardo.

Sentindo-se horrível, perdeu o seu rosto,
Procurou em si mesmo, nos outros, no palco.
Olhou a plateia, não tinha ninguém.
Era isso: sem o alguém.

Tons pastéis injetados nos olhos da máscara alva
Que lhe escorriam corretamente
O que as mãos tentavam esconder,
Os olhos nas palmas, assim eram.

Do alto do pé caiu-lhe uma laranja,
Cortou o elo. Sentiu o choro que veio,
Pedindo arrego pelo calor do seio,
Lhe dando de mamar com mais do tal eu.

Se dança em lambuzal,
O suor rega,
Do linóleo nasce
Aquela desgraça tão envolvente.

Chocado no chão, decide aprender a andar,
Com paus que encontrou perdido do lado de fora,
Que foram seus em outros dias,
Tão distantes quanto as plumas que o outro colou.

Anda nas pernas, anda!
Encobre suas mãos, reaprende e vai embora,
Degola o agora e decora o que é teu.
Participe de um particípio, do presente.

Deveras,
Sem teias.
Sem alturas com vista da queda,
Com o baixo desorganizado, do tipo que se organiza.

Desandou e se foi, com folhas da rosa,
Maldita, porém eterna - no peito.
Banhado pelo seu suco, doce como um gomo,
Caído como uma gota.

O longe era o eu do tal foco,
Em quatro faixas escuras, marcadas previamente,
Sentado em assentos vazios,
Desesperado em acordar sem querer de si.

Laranja como a laranja,
Nascida do amor da terra,
Paciente ao longo da vida, perdida, tão perdida, coitada,
Sem fogo para o diante adiante do eu.

Douglas Ibanez 
(1h17 - 27.11.2018)


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